silagem de grão úmido é um alimento concentrado ou uma forragem?

Uma pesquisa recente feita em nosso Instagram, com 505 participantes (Alunos, técnicos e produtores), destaca a resposta para esta pergunta (Figura 01). Embora o questionamento seja bastante simples, uma coisa nos indaga: Será que existe a possibilidade de confundirmos um processo com um alimento?

Dentro deste contexto, a silagem além de simplesmente ser um alimento, deve ser entendida como um processo (Ensilagem). Tal processo que advém de uma série de etapas que vão desde a degradação e utilização de substratos pela ação de microrganismos, até a produção de ácidos e rebaixamento de pH da massa ensilada, gerando posteriormente a conservação dos nutrientes (JOBIM e NUSSIO, 2013).

Figura 01. Resultados da pesquisa no Instagram da @dairy_innovation.

Sendo assim, esse processo se mostra extremante importante, onde, além da conservação de volumosos, também pode ser utilizado em outros produtos, inclusive grãos de cereais, os quais tem sua digestibilidade da matéria seca (MS) aumentada pela ocasião do processo, sendo este um fator que confere um grau de otimização do alimento (OBA; ALLEN, 2003).

Ensilagens de grãos possuem alto teor de MS, o que os classifica diferentemente da silagem de planta inteira.

Primeiramente, por definição, as silagens de grãos são alimentos que variam de 60 a 85% de MS, sendo colhidos, triturados e posteriormente ensilados. Geralmente, seu uso não é comparável a um volumoso, mas sim, como uma fonte energética alternativa à utilização de grãos secos na dieta de ruminantes (JOBIM; SILVA; CALIXTO JR., et al., 2009), sendo esta consideração importante, uma vez que ainda estamos abordando o nosso primeiro pilar (Animais e Alimentos).

Cabe destacar que as principais formas de silagens de grãos dentro deste escopo seriam: a silagem de grão úmido e de grão reidratado, que são utilizados em larga escala em confinamentos e leiterias do Brasil. Desta forma, o objetivo deste texto é apontar 3 principais pontos relacionados com a silagem de grão úmido/reidratado.
 

Vantagens e desvantagens da silagem de grão úmido

O processo de confecção da silagem de grão úmido e reidratado tem vantagens e desvantagens frente ao uso de grãos secos nas dietas para ruminantes.

Como vantagens pode-se citar:

  • Armazenamento mais barato do grão pela ausência de impostos e taxas,
  • Ausência de descontos de umidade e impurezas,
  • Antecipação do tempo de colheita, possibilitando um melhor uso da terra,
  • Diminuição das perdas por roedores e insetos
  • Ganho em digestibilidade.

E por outro lado, as principais desvantagens são:

  • Impossibilidade de comercialização, 
  • Possibilidade de perdas pela ocorrência de fungos e leveduras o que poderia gerar uma maior incidência de micotoxinas, caso existam deficiências no processo de ensilagem (GOBETTI et al., 2013). 
     

Como fazer a silagem de grão úmido?

Operacionalmente, a confecção da silagem de grão úmido é a mais complexa. Tal complexidade primeiramente se dá pela estreita janela de colheita, a qual deverá ser realizada quando o teor de umidade dos grãos chega em torno de 35 a 40%.

milho é o cereal mais utilizado para a confecção deste tipo de silagem, embora o sorgo, aveia e cevada também tenham sido estudados para tal finalidade (COSTA et al., 2014). Contudo, neste texto, o milho será considerado como padrão de comparação.

Pensando na cultura do milho, a fase na qual o material esteja com 35-40% de umidade seria compatível com o estádio R6, representado pela maturidade fisiológica dos grãos (GOBETTI et al., 2013). No tocante a justificativa para este momento de corte, seria que na maturidade fisiológica, há o encerramento do translocamento de nutrientes da planta para os grãos, sendo que nesta fase seria caracterizado como o ponto de inflexão entre a maior quantidade de amido somada a maior digestibilidade, sendo que a partir deste ponto há incremento da fração fibrosa do pericarpo (GOBETTI et al., 2013).

Outro fator complicador seria o uso de colheitadeiras, o que consequentemente aumentariam o custo de produção do alimento. Após a colheita do milho neste estádio, o material pode então ser processado ou não e futuramente passar pelos outros processos comuns a silagem de planta inteira, tais como o transporte, compactação, enchimento em silo e vedação (JOBIM; SILVA; CALIXTO JR., et al., 2009).

Obviamente, o processamento do milho após a colheita é altamente recomendado, pois aumentaria a superfície de contato dos materiais, facilitando tanto a compactação, chegando nos níveis ideais, os quais seriam ao redor de 1000 a 1200 kg por metro cúbico, como também o ataque microbiano no silo.

Outro ponto chave seria o sincronismo entre colheita, processamento, enchimento do silo e compactação, reduzindo a fase aeróbia da silagem com consequente menor espoliação da massa (GOBETTI et al., 2013).

Entretanto, a confecção prática da silagem de grão úmido é dificultada principalmente pela total dependência de fatores climáticos, levando a um maior desafio no acerto da janela de corte. O erro no ponto de colheita implicaria em problemáticas operacionais (GOBETTI et al., 2013).

Sendo assim, uma alternativa para resolução destas problemáticas seria a reidratação de grãos secos e posterior ensilagem. Os ganhos deste procedimento seriam uma menor dependência climática e menor probabilidade de erro na janela de corte, diminuição de custos por não necessitar de colheita e possibilidade de compra do milho grão em época pós safra (O que nesta época, devido aos altos preços na pandemia, fica um pouco dificultado), podendo ser comercializado em preços mais baixos, o que acarretaria em ganho financeiro do processo (PEREIRA et al., 2013b).
 

Perfil fermentativo no silo e digestibilidade do amido

Durante a ensilagem e após a vedação completa do silo, o processo fermentativo ocorre da mesma forma comparativamente a silagem de planta inteira, com quatro principais etapas: a fase aeróbica, a fase de transição, a fase anaeróbica e a fase de abertura (McDONALD et al., 1991).

O processo fermentativo tende a ser o mesmo, baseado na premissa básica da utilização de carboidratos em sua forma monomérica, a glicose, e posterior formação do ácido lático, que causa rápido rebaixamento de pH, o que por consequência leva a conservação do material através da inibição de microorganismos espoliadores (NEUMANN et al., 2007).

Todavia, a silagem de grão úmido e reidratado possuem como diferencial uma alta quantidade de substrato solúvel, baixos teores de fibra e umidade, fatores que potencializariam a fermentação. Por outro lado, nestas silagens, a quantidade de microrganismos homoláticos (Lactobacillus, Pediococcus, Leuconostoc, Enterococcus, Lactococcus e Streptococcus), é significativamente menor quando comparado a silagens de planta inteira, uma vez que estes microrganismos encontram-se particularmente em maiores quantidades nas folhas e nas partes basais da planta (JOBIM; SILVA; CALIXTO JR., et al., 2009).

A fermentação homolática é o modo mais eficiente de se transformar hexoses em ácido lático, altamente positivo para o processo de conservação, pois este ácido é forte e desta forma as perdas de matéria seca e de energia no processo são mínimas, sendo que há ainda rebaixamento rápido do pH, inativando microrganismos indesejados como os Clostrídeos e as enterobactérias (PAHLOW et al., 2003). Como há menores quantidades destes microorganismos, tal fato implica em menor produção de ácido lático comparativamente a silagens de planta inteira, com consequente maior valor de pH. Com isso, considerar o uso de um inoculante homolático pode ser interessante.

Na comparação entre silagens de grão úmido e reidratado, tal diferença ainda é mais nítida conforme demonstrado na Figura 2. Observa-se mediante comparação de resultados em literatura, que há produção ainda menor de ácido lático em grãos que foram reidratados, possivelmente por apresentar uma proporção menor de flora epifítica homolática.

Figura 2. Comparação da produção de ácido lático em porcentagem da MS entre silagens de grão úmido e reidratado de acordo com trabalhos em literatura (CANIBE et al., 2013; FERNANDES, 2014).


Estabilidade aeróbia e uso de aditivos na silagem de grão úmido

Devido ao alto teor de substrato, nota-se que as silagens de grão úmido e grão reidratado possuem baixa estabilidade aeróbia.

Estabilidade aeróbia, por definição, seria a resistência a degradação do material quando exposto ao ar, uma vez que quando isto ocorre, há colonização do material por vários microorganismos, em especial pelas leveduras, as quais convertem o ácido lático e substratos presentes em etanol, o qual não possui valor conservativo. Sendo assim, o pH aumenta e outros microrganismos começam a se desenvolver, aumentando o metabolismo e consequente temperatura do material ensilado (PAHLOW et al., 2003).

Além disto, um bom indicativo prático da ocorrência de quebra na estabilidade, seria quando a temperatura do material ensilado ultrapassa em 2ºC a temperatura do ambiente (TAYLOR; KUNG JR., 2002).

Como a estabilidade aeróbia é baixa em silagens de grão úmido e reidratado, uma alternativa para se otimizar tal problemática seria o uso de inoculantes bacterianos compostos por bactérias láticas heterofermentativas. A fermentação heterolática embora produza o ácido lático como produto final, há também a produção de outros compostos, como o ácido acético, o 1,2 propanodiol e o CO2. Esta rota bioquímica acaba por ter implicações negativas uma vez que há maiores perdas de matéria seca e de energia comparativamente a rota homolática (JOBIM; NUSSIO, 2013).

Todavia, este tipo de fermentação ocasiona efeitos positivos sobre a estabilidade aeróbia, ou seja, previne deterioração da matéria seca depois da abertura do silo, uma vez que produz ácido acético e 1,2 propanodiol que posteriormente se transforma em ácido propiônico. Estes compostos têm efeito antifúngico, atuando em leveduras, que são os principais microrganismos espoliadores da silagem (PAHLOW et al., 2003; ROOKE; HATFIELD, 2003). O principal representante deste grupo acaba sendo o Lactobacillus buchneri.

Já com relação ao uso de inoculantes compostos por bactérias láticas homofermentativas, Ítalo et al. (2006) consideram que as silagens de grão úmido de milho e sorgo não necessitam de seu uso para maximizar o perfil fermentativo no silo. Em consonância, Jobim, Silva e Calixto (2009) ressaltam ainda que os resultados em literatura com estes inoculantes bacterianos são inconsistentes.

No entanto, para silagens de grãos reidratados, nota-se que seu uso pode ser benéfico, uma vez que pode aumentar a quantidade de bactérias homoláticas na fermentação, o que possibilitaria uma maior produção de ácido lático, menor pH e, por consequência, melhores condições de conservação, evitando, assim, as perdas citadas anteriormente.

Outro ponto importante no manejo pós abertura do silo, seria manter uma retirada de painel homogênea. Tal manejo também evitaria graus mais intensos de espoliação do material ensilado, evitando maiores perdas (PEREIRA et al., 2013a).

Em suma, a silagem de grão úmido/reidratado pode ser uma excelente alternativa do ponto de vista de se otimizar processos, visando aumentar o valor alimentício e os ganhos pelo armazenamento do grão na fazenda.

Fonte: MilkPoint.

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